quinta-feira, 18 de junho de 2009

EXPOVEL, by PROF. NAZARENO

Expovel: cultura local ou circo dos horrores?
Professor Nazareno*
Acabou a Expovel em Porto Velho, graças a Deus. Foram longos dez dias de barulho, empulhação, poeira, mentiras e circo. Muito circo mesmo para os porto-velhenses, que de uma hora para outra, se viram transformados em moradores da “Capital do Rodeio”. A presepada começou mesmo no dia 06 de junho com um desfile patético pelas principais ruas daqui: mas foi muito bom, pois mostrou a verdadeira cara da nossa cidade com toneladas de sujeiras e lixo no meio das avenidas. E próximo à rodoviária este ano não plantaram aquela estátua ridícula de um boi insinuando que a capital de Rondônia era uma cidade country, como aquelas dos Estados Unidos. Que pena, pois o animal “bem-dotado” com um peão montado completaria o espetáculo circense. Muitos jovens da cidade, embriagados e vestidos à moda country dos americanos, com botas longas, chapéu grande (talvez imitando o ídolo Cassol) e vestimentas de couro, apesar dos quase 40 graus à sombra, completavam a deprimente exibição teatral. Impossível não ter pena ao ver tanta breguice. Um toque medieval em pleno século XXI. Se isto for cultura, não será diferente das outras, mas inferior mesmo. E a grande piada é que ainda existem moçoilas da região que se candidatam à rainha do evento. E pagam para isso. Que trono... Quanta barbaridade...
De fato, situada em plena floresta Amazônica e às margens do lendário e hoje já estuprado rio Madeira, Porto Velho em absolutamente nada lembra as verdejantes cidades da Califórnia e muito menos o próspero e progressista interior do Sul do Brasil. Comparar uma cidade de ‘beiradeiros e barnabés’, onde o contracheque responde por grande parte da economia local, com Barretos, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, Londrina, Maringá ou Cascavel, por exemplo, é de um mau gosto sem nenhum precedente. Parece coisa de político ufanista ou mal informado em ano pré-eleitoral. Aliás, durante o período dos “festejos do peão” o que não faltou foi programa de rádio e televisão abrir espaços para as autoridades falarem à vontade e tecer loas ao pseudo-desenvolvimento do Estado. E os jornalistas de proveta, da imprensa marrom, muitos dos formados aqui mesmo, fazendo perguntas toscas aos políticos. Nestas horas quem se lembra de sanguessugas, mensaleiros, escândalos na Assembléia Legislativa, possível cassação do governador do Estado, prefeito de obras inacabadas, mídia comprada e outros afins?
Rondônia possui um dos maiores rebanhos de gado do país segundo dados do IBGE. O que não se entende é por que a nossa carne não é tão barata assim e boa parte da população do Estado, como os que vão aos espetáculos da Expovel, não tem acesso a essa iguaria. Talvez por isso o Mandi (pequeno bagre que se alimenta de fezes humanas) com farinha d’água seja um prato tão desejado na cidade. Para muita gente pobre deste lugar, degustar um bom e suculento filé ou uma picanha é tão difícil quanto arrematar qualquer objeto ou mesmo comprar um animal lá no Parque dos Tanques. Exposição de produtos agropecuários é coisa da elite. Em todos os negócios que foram fechados por lá só apareciam os poucos ricos do Estado. Para os pobretões, a ‘mundiça’, sobrou a Bailarina da Praça (nosso melhor produto de exportação) dançando com os bêbados ao som de uma dupla caipira chamada Victor & Leo e comendo “churrasquinho de gato” em meio à poeira. Não parecia o inferno de Dante, mas o de Satanás mesmo. Triste espetáculo. Coisa de rondoniense já achando que somos Primeiro Mundo... “Maninha, é o progresso de Rondonha”, afirmavam entusiasmados, alguns nativos, com o inconfundível sotaque.
Para os fazendeiros, os homens de negócios e os grandes pecuaristas do Estado sobrou a alegria dos polpudos lucros. Para os políticos de plantão, a certeza de terem colhido bons dividendos eleitorais e para o povão, a ressaca e a satisfação de saber que ‘sua mais fiel representante’ (a Bailarina da Praça) estava lá, como se no alto de um fictício pódio. Sem nenhuma cabeça de gado no pasto que não possuímos, nós rondonienses já parecemos conformados com a sina de que Rondônia nada mais é do que um quintal (ou curral) dos grandes pecuaristas lá do sul maravilha, a verdadeira Califórnia brasileira. Aqui só engordamos os bois que tanto lucro dão aos forasteiros. Sem plantar nem criar nada, só colhemos Corumbiara e outras mazelas sociais. Não é difícil entender por que com estas ‘papagaiadas’ não se faz jorrar mel e leite das nossas fedorentas ruas. E o pior é que muitos idiotas e pseudo-intelectuais de plantão, os que pensam que pensam, ainda querem discutir identidade cultural, fazeres e saberes de um povo, de uma região, de uma cidade. Quais saberes? Quais fazeres? Qual povo? Qual região? A não ser que a Bailarina da Praça dando suas piruetas seja um expoente cultural desta terra. Santa paciência...
Pelo fato de ser um espetáculo de péssimo gosto, a Expovel não deixou de apresentar o seu saldo de violência e bestialidades. “Três homens, um deles identificado como policial militar, se envolveram em uma briga com tiroteio, no Parque de Exposições, no final da tarde do sábado, quando a cavalgada chegou ao local. Depois de muitos socos e pontapés, um dos envolvidos na confusão sacou da arma e efetuou os disparos. Uma radiopatrulha agiu com rapidez e prendeu os acusados. Populares revoltados tentaram resgatar os suspeitos para linchá-los, mas a viatura saiu rápido em direção à Delegacia Central”, noticiou um site da cidade. Além desse sururu, típico das festinhas mais barrelas, uma jovem de 18 anos que estava se divertindo na cavalgada foi vítima da ação de marginais que teriam estuprado a mesma em um estacionamento localizado na Avenida Campos Sales, região Central da Capital. Segundo ela, teria sido ameaçada por três rapazes que usavam abadás do evento e foi arrastada para o estacionamento. Nada mais típico, nada mais típico... É a Expovel... Como na Roma antiga, estas festas só serviam mesmo para manter o povão adormecido. Aqui, nem isso.
Embora sem pão, a alegria certamente vai continuar. Em Rondônia estamos em plena Semana Santa com direito a espetáculos ao ar livre e ainda que seja o mês de junho, a Paixão de Cristo foi encenada sem maiores problemas. E apesar de Porto Velho ser uma das únicas cidades do país onde a Igreja Católica não festeja o santo padroeiro (24 de maio), sempre tem carnaval fora de época também por esses dias e sem falar na grande festa do “padroeiro de fato” da capital: “São Maracujá, o maior arraial sem santo do Norte do país”. A festança próxima à Esplanada das Secretarias está prestes a começar e certamente em todos estes eventos estarão presentes, só que em camarotes diferentes, as autoridades e políticos do Estado, os pecuaristas gastando suas fortunas, os bajuladores aplaudindo tudo, o povão torrando seus minguados salários e a Bailarina da Praça pulando com os artistas e rindo à toa para animar todos os brincantes. Fica faltando mesmo só o Manelão da famosa banda. E por que não? Afinal, todos somos filhos de Deus...
*Professor Nazareno leciona na escola João Bento da Costa em Porto Velho

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